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Allison Mack no podcast de Rosenbaum: entre a confissão, a névoa e o peso do que não se apaga

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Antes de começar, deixo algo cristalino:
assisti ao podcast três vezes, inteiras, antes de escrever esta matéria.
Quis absorver nuances, silêncios, hesitações, e só então organizar o que vi — e sim, em muitos momentos, o que segue é minha interpretação, meu posicionamento, minha leitura pessoal do que foi dito e do que ficou nas entrelinhas.

Porque uma conversa dessas não se digere de primeira.

Quando Michael Rosenbaum decidiu convidar Allison Mack, ele sabia que estava entrando numa zona cinzenta: a fronteira entre dar voz e dar palco, entre permitir reflexão e parecer permissivo.
E aqui já adianto minha opinião — concordo com ele.
Se ela aceitou ir, não era para virar alvo de pedradas vazias, mas para encarar perguntas. E encarar-se.

Mas isso não impede que a conversa tenha momentos desconfortáveis — e alguns, para mim, foram muito LEVES.

A relativização: quando o arrependimento tropeça

Ao longo das três vezes que assisti, notei um padrão: Allison oscila entre assumir culpa e tentar suavizá-la.
A frase “pessoas boas são capazes de coisas horríveis” é verdadeira, ecoa quase como um aforismo moral… mas no contexto dela, às vezes soa como amortecedor, como tentativa de dissolver responsabilidade em água morna.

Essa é minha opinião pessoal, baseada na repetição dessas falas ao longo da entrevista.

Ela admite que recebeu poder demais dentro do NXIVM — mais do que entendia, mais do que sabia lidar — e que isso a “cegou”.
Acredito nela nisso.
Mas acreditar nessa cegueira não é o mesmo que tratá-la como desculpa.

O que foi o DOS — e por que isso importa

Para entender os riscos dessa relativização, é preciso entender o que era o DOS.
E aqui reforço: essa parte não é opinião, é fato documentado.

 

D.O.S. — Dominus Obsequious Sororium

“Mestre das Mulheres Obsequiosas.”

Uma fraternidade secreta com estrutura mestre–escrava, alimentada por:

colaterais (nudes, segredos, documentos comprometedores)

hierarquias rígidas

obediência absoluta

punições e tarefas

dietas severas

marcações a ferro com iniciais de Raniere e, posteriormente confirmado, de Allison(foto ao lado)

E sim: ela era liderança.
Não figurante.
Não coadjuvante.

Assistindo ao podcast três vezes, ficou evidente para mim que, embora ela admita envolvimento, ainda suaviza demais o próprio papel.

Questões filosóficas provocadas pela entrevista

Depois de três rodadas de análise, identifiquei temas profundos que a conversa levanta — temas que merecem debate sério:

1. A agência dentro de estruturas coercitivas

Até que ponto alguém manipulado é responsável por manipular outros?
E quando essa pessoa se torna cúmplice ativa?
Há um ponto de inflexão? Quando?


2. O fetiche moderno pelo empoderamento distorcido

DOS usava a linguagem de autodesenvolvimento para justificar controle.
A linha entre disciplina e abuso é tênue — e filosoficamente perigosa.
Até onde vai a busca por poder “interior”?
E quando ela vira só… poder?


3. O arrependimento parcial é arrependimento?

Se a pessoa reconhece culpa, mas simultaneamente a dilui, isso é evolução ou autoengano?


4. O dilema ético da plataforma

Dar voz a alguém que cometeu abusos é contribuir para reflexão,
ou para normalização?

Eu, pessoalmente, acho que Rosenbaum fez o certo — mas entendo quem discorde.


5. A “banalidade do mal” em versão contemporânea

Quando maldade se veste de coaching espiritual,
ela vira aceitável?
Ou apenas mais eficiente?


6. A natureza da redenção

Quem decide se alguém merece recomeçar?
A justiça? As vítimas? A opinião pública?
Ou ninguém decide — recomeços apenas acontecem?

Uma conversa que importa justamente porque não é confortável

A entrevista não limpa a imagem de Allison.
Não cura nada.
Não repara nada.

Mas, depois de assistir três vezes, cheguei à conclusão de que ela revela algo essencial:
a humanidade não é binária.
Não existe só “monstro” ou “vítima”.
Existe a vastidão cinza onde quase todos nós habitamos — mas onde alguns cometeram danos que não podem ser ignorados.

Rosenbaum abriu espaço.
Ela tentou se explicar.
Eu assisti três vezes.
E aqui está o que ficou ecoando em mim:

A queda de alguém pode ensinar, mas só se quem caiu permitir ser visto inteiro — não só na parte que dói, mas na parte que feriu outros.

E é essa parte que a entrevista ainda não resolveu.
Mas abriu portas para discutir. E isso, no mínimo, já vale o incômodo.

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