A Casa do Equilíbrio Cósmico – Onde o Karma Respira
A Casa de Libra não é um templo: é um tribunal metafísico.
Não é um corredor do Santuário: é o ponto de inflexão entre aquilo que o herói é e aquilo que ele se tornará.
Aqui, o mundo não ruge como em Leão, não chora como em Câncer, não se divide como em Gêmeos, nem renasce como em Áries.
Aqui, o mundo pesa.
Libra não julga ação — julga intenção.
Não mede força — mede mérito.
Não decide destino — revela o que o herói já decidiu sem perceber.
As Doze Casas sempre foram um rito de passagem. Mas Libra é o único ponto onde o herói é confrontado com a verdade mais terrível:
“Toda escolha tem preço. Todo passo deixa rastro. Toda alma arrasta sua sombra.”
É o Dharma transfigurado em pedra dourada. É a justiça como estado meditativo. É o silêncio que pesa como um planeta.
Libra não guarda apenas armas:
guarda o instante exato onde um coração pesa mais que o mundo,
e onde um cavaleiro, sentado na postura do Bodhisattva, decide se destrói para salvar,
ou se salva ao destruir.
É a Casa onde Athena medita,
onde a Justiça deixa de ser um conceito
e vira uma postura física, um mudrā, um golpe, um ato.
No zodíaco dos Cavaleiros, o signo que pesa as almas é, na verdade,
o mais monástico de todos.
Por isso, aqui vivem homens que envelhecem esperando o momento certo,
morrem sorrindo com o dever feito,
ou rompem a própria armadura quando ela ameaça virar dogma.

Os Três Guardiões – Dohko, Shiryu e Gembu: A Tríade da Justiça Vivente
Libra é a única Casa que nunca permanece estática.
Seu guardião encarna a própria mutabilidade espiritual.
Três cavaleiros a regem em eras distintas, e cada um representa um aspecto da Lei Universal.
Dohko — A Balança que Espera (Clássico)
Shiryū — A Balança que Sente (Clássico / Ômega)
Gembu — A Balança que Rompe (Ômega)
Eles formam uma trindade ética:
o velho mestre, o herdeiro devoto, o discípulo desobediente.
Como nos sutras, são como as três joias do Dharma —
Mestre, Caminho e Sangha.
DOHKO — O VELHO TIGRE E O PESO DOS SÉCULOS
Se Shaka é o “Homem Mais Próximo de Deus”,
Dohko é o “Homem Mais Próximo do Tempo”.
Em Lost Canvas e no Clássico, seu arquétipo é o mesmo:
um asceta-soldado que não luta — vigia.
Sua longevidade é um voto semelhante ao dos grandes rishis e bodhisattvas: permanecer no mundo até que sua tarefa seja cumprida.
Ele carrega em si o aspecto mais antigo do Dharma:
A Justiça que Observa.
Como o Guardião do Rochedo dos Cinco Picos, ele medita sobre o fluxo cármico.
Não interfere antes da hora.
Não pesa antes do movimento.
Não pune antes da escolha.
Dohko é a Balança que repousa. A sabedoria que aguarda. A lâmina que só desce quando o mundo não tem mais para onde fugir.
Seu corpo permanece jovem graças ao Misopetha-Menos,
mas sua alma envelhece como um patriarca de monastério no Monte Wutai.
Dohko como Bodhisattva Kṣitigarbha (Jizō)
A iconografia é cristalina:
Kṣitigarbha é o guardião dos mortos e do tempo.
Dohko guarda os Espectros selados.
Ambos esperam — e esperar, nos sutras, é um ato de poder.
Dohko é o cavaleiro que recebe as Doze Armas porque
ele reconhece a dor de usar qualquer uma delas.
Seu mantra implícito seria:
“Gate gate pāragate pārasaṃgate bodhi svāhā.”
— O coração que ultrapassa, ultrapassa de novo, ultrapassa tudo — e desperta.
Esse é o mantra do Prajñāpāramitā.
Dohko o encarna sem pronunciar.


SHIRYŪ — A ESPADA QUE SE TORNOU COMPASSIVA
Shiryū é, talvez, o mais humano dos cavaleiros de Libra.
Se Dohko pesa o mundo,
Shiryū pesa os próprios erros.
Ele é o arquétipo do guerreiro que baixa a cabeça,
que reconhece falhas,
que sangra como um sutra sendo escrito em tinta vermelha.
Shiryu é o herdeiro direto do voto de Dohko.
Mas ele trilha o caminho oposto:
Se Dohko observa, Shiryu busca.
Se Dohko aguarda, Shiryu se oferece. Se Dohko pesa, Shiryu se entrega ao peso.
Disciplinado até o ascetismo, ele incorpora o ideal do Bodhisattva guerreiro:
“Sofrerei para que os outros não precisem sofrer.”
No Ômega, Shiryu não é apenas o veterano: ele é o arquétipo que inspira gerações inteiras — inclusive Gembu.
Ele mostra que a justiça não é apenas neutralidade, mas também sacrifício consciente.
Shiryu é a Balança que aprende. A Balança que busca o centro mesmo quando sangra.
Clássico: o discípulo que aprende a ver sem os olhos
A metáfora é direta:
Shiryū perde a visão para ver mais.
Como nos sutras, a sabedoria surge quando se abandona o olhar mundano.
Ele luta cego, como se tivesse alcançado parcialmente o Samādhi.
Essa cegueira ritual lembra:
o Sutra do Diamante,
que diz que “tudo o que pode ser visto é ilusão”.
Shiryū aprende a cortar não o inimigo,
mas o apego ao inimigo.
Ômega: Shiryū como Pai, Exílio, e o Último Guardião
No Ômega, Shiryū não é mais apenas discípulo,
é um maestro do próprio destino.
Carrega uma ferida espiritual:
ele sabe que sua linhagem pode se extinguir.
Essa preocupação paterna, quase monástica, ecoa o voto de Kannon:
“Enquanto houver qualquer ser sofrendo, eu não alcançarei o nirvana.”
Shiryū permanece no mundo,
não por glória,
mas para que o equilíbrio não desabe.
GENBU — O DISCÍPULO QUE ROMPEU O DOGMA
Se Libra é equilíbrio,
então Libra também é o risco do desequilíbrio.
Se Shiryu é disciplina, Genbu é ímpeto.
Se Shiryu é o asceta, Genbu é o errante. Se Shiryu é o dragão que mergulha nos rios, Genbu é o dragão que cai do céu.
E isso é essencial.
Libra não é uma Casa de perfeição — é uma Casa de reconciliação. Genbu demonstra que o Dharma também se manifesta no erro, no fracasso, nas decisões impensadas que, mesmo tortas, empurram o mundo para frente.
Ele aprende com o próprio desequilíbrio.
E ao assumir o posto de Libra, ele prova que a justiça é viva, mutável, imperfeita — e justamente por isso humana.
Genbu é a Balança que oscila. A Balança que cai e se levanta. A Balança que renasce.
Treinado por Dohko,
ele amadurece não como Shiryū — humilde —
mas como alguém que vê injustiça e quer consertar com as próprias mãos.
Seu arco lembra o Bodhisattva Vajrapāṇi:
aquele que segura o relâmpago,
que enfrenta demônios com raiva,
mas raiva compassiva, a “ira sagrada” dos Myōō.
Só que Genbu falha no meio do caminho.
A destruição parcial do Santuário de Ómega,
a desconfiança em Saori,
e o desejo de impor a própria visão de justiça
fazem dele o símbolo do “Veneno da Justiça”.
Na tradição budista isso é um ensinamento clássico:
Mesmo a virtude, quando rígida, vira veneno.
No fim, Genbu aprende o que Dohko sempre soube:
a espada que julga pode matar o próprio portador.

O Karma do Discípulo: Shiryu e Genbu como Espelhos Opostos
Shiryu e Genbu são dois lados da mesma equação espiritual.
Shiryu representa o caminho da disciplina, da correção constante, da lapidação interior. Genbu representa o caminho da queda, da falha, do erro que vira mestre.
Ainda assim, ambos conduzem a nova geração da mesma forma:
Pelos acertos e pelos fracassos, pelo rigor e pelo impulso, pelos gestos corretos e pelos tropeços violentos.
Eles não ensinam apenas técnicas — ensinam causas e consequências.
Libra, afinal, é isso:
um templo que não separa luz e sombra, mas pesa as duas.

As Armas de Libra – Os Doze Instrumentos do Karma
Dohko as guardava.
Shiryu as honrava.
Genbu as erguia.
Mas nenhum deles as usava sem antes ouvir o mundo.
As Armas de Libra são um conjunto único porque encarnam a doutrina do budismo vajrayana: a compaixão que sabe destruir para proteger.
Cada arma é um ensinamento:
Cada uma se conecta a um aspecto do Dharma e a um sutra.
Espada — Prajñā (Sabedoria Cortante)
Representa o corte da ignorância.
Ligada ao Sutra do Diamante.
É a arma mais perigosa porque corta o que o cavaleiro é.
Lanças — Karma (Ação Direta)
Simbolizam a responsabilidade por cada ato.
Pertencem ao conceito das Quatro Nobres Verdades.
Bastões — Dharma (O Caminho)
Golpear com moderação.
Golpear para ensinar.
Golpear sem destruir.
São a metáfora viva do Caminho do Meio.
Nunchaku — Samsāra (Movimento Infinito)
Arma circular, repete karmas, retorna ao ponto inicial.
É o símbolo perfeito da roda da existência.
Tridentes — Renúncia
Representam os Três Venenos:
Ignorância
Apego
Ódio
Ao empunhar o tridente, o cavaleiro simbolicamente diz:
“Eu atravessei meus três demônios internos.”
Escudos — Compaixão
A defesa é a mais elevada forma de justiça.
Nos sutras, quem protege primeiro é quem mais compreende o sofrimento.
O fato de Libra ter dois escudos idênticos é crucial:
um para proteger o outro,
não a si mesmo.
O Cavaleiro de Libra não escolhe a arma: a situação escolhe.
Porque o Dharma não é rígido — é responsivo.
Libra é o único signo capaz de converter violência em compaixão e compaixão em ação.
Sutra da Casa de Libra – O Pesado Canto da Justiça
“Duas tigelas repousam, mas o universo repousa com elas.
A mão que as ergue não é mão — é destino.
A arma que corta não corta — revela.
E o cavaleiro que julga não julga — desperta.”
“Assim é Libra:
o peso que respira,
a lâmina que ora,
a justiça que aprende, desaprende e recomeça.
espera o próximo passo do mundo.
Dharma Final – O Guardião que se Torna Caminho
Dohko ensina o silêncio do tempo.
Shiryu ensina a disciplina da alma.
Genbu ensina a queda que vira luz.
E juntos, eles mostram que Libra não é a Casa do julgamento, mas sim a Casa da clareza.
Não é onde o herói é condenado.
É onde ele se compreende.
E o Dharma continua sua travessia.
Porque a Balança nunca repousa.
Ela apenas espera o próximo passo do mundo.





